
O trágico naufrágio do Vital de Oliveira: 80 anos depois, Marinha identifica os destroços na costa do RJ
Cerca de três minutos foram suficientes para provocar uma das maiores perdas da história naval brasileira. Na noite de 19 de julho de 1944, durante a Segunda Guerra Mundial (1939–1945), o Navio-Auxiliar “Vital de Oliveira”, da Marinha do Brasil (MB), foi torpedeado pelo submarino alemão U-861.
Alvejado ao sul do Cabo de São Tomé, na costa do Rio de Janeiro (RJ), o navio afundou rapidamente, resultando na morte de 100 dos cerca de 270 tripulantes. Entre as vítimas estavam três oficiais subalternos, três suboficiais, 16 sargentos, 15 cabos, 34 marinheiros, dez grumetes, 11 taifeiros, seis fuzileiros navais e um jovem passageiro civil.
Por volta das 23h55, uma explosão atingiu a popa do navio, rompendo o costado e apagando as caldeiras, o que levou ao seu afundamento quase imediato. O “Vital de Oliveira” tornou-se o único navio militar brasileiro a ser naufragado por forças inimigas durante a Segunda Guerra Mundial.
De acordo com o livro História Naval Brasileira (volume 5, tomo II), […] “o Comandante do navio, Capitão de Fragata João Batista de Medeiros Guimarães Roxo, auxiliado pelo Oficial de Quarto, o Primeiro-Tenente Osmar Dominguez Alonso, tomou a providência imediata de chamar a guarnição aos ‘postos de combate’ e, por foguetes, alertar a escolta. Este procurou em vão o submarino, que havia mergulhado logo após lançar o torpedo. Ambos permaneceram no passadiço […] e, o resto do pessoal, na completa escuridão, lançou-se ao mar, procurando apoiar-se nos destroços que flutuavam.”
Segundo relatos de sobreviventes, não houve tempo para arriar os botes salva-vidas (baleeiras), e poucos tripulantes conseguiram escapar com vida. Muitos foram resgatados no dia seguinte pelo barco pesqueiro “Guanabara” e por embarcações da MB, como o Caça-Submarino “Javari” e o Contratorpedeiro “Mariz e Barros”.
Um trecho do livro Flores ao Mar: os naufrágios navais brasileiros na Segunda Guerra Mundial, de Raul Coelho Barreto Neto, traz o relato dramático do então marinheiro Hilton Mendes Moreno:
“O navio ficou totalmente às escuras […] e ainda ouvi o Comandante. […] Ele gritou para abandonar. Eu tentei me jogar, mas não deu mais tempo. […] Foi a hora que o navio desceu e me sugou […]. Quando eu voltei à tona, só vi os destroços […]. Tinham várias tábuas e, depois, vi uma baleeira emborcada, onde já tinham dois ou três colegas. E eles: ‘Venha para cá!’. Eles me deram a mão […]. Também fiquei ali em cima […] ouvindo vários gritos […] pedindo por socorro. Mas não podia dar socorro. No escuro… Não podia ver nem quem era nem onde estava. Só ouvia.”
O ataque ao “Vital de Oliveira” aconteceu em um contexto delicado para o Brasil, que havia declarado guerra ao Eixo — formado por Alemanha, Itália e Japão — dois anos antes, em resposta aos sucessivos torpedeamentos de navios mercantes brasileiros.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil perdeu 31 navios mercantes e três embarcações de guerra: além do “Vital de Oliveira”, também se perderam a Corveta “Camaquã” e o Cruzador “Bahia”. No total, cerca de 982 civis e 486 militares da MB morreram no mar, sendo 464 em combates diretos ou em acidentes operacionais.
Tecnologia a serviço da história
Oito décadas após o afundamento, o casco da embarcação foi localizado na manhã de 16 de janeiro, a cerca de 35 milhas náuticas (aproximadamente 65 quilômetros) da costa de Macaé (RJ). A descoberta contou com o apoio técnico de mergulhadores locais, que identificaram inicialmente a presença de um canhão preso a uma rede de pesca no fundo do mar.
Atualmente, a MB realiza estudos no local utilizando os recursos tecnológicos do Navio de Pesquisa Hidroceanográfico “Vital de Oliveira”. Os primeiros dados sobre a localização e o estado do naufrágio foram obtidos durante os testes de mar e comissionamento do navio, que carrega o mesmo nome da embarcação afundada.
Ambos os navios — o de 1910 e o de 2015 — foram batizados em homenagem ao Capitão de Fragata Manuel Antônio Vital de Oliveira, Patrono da Hidrografia da MB, morto em combate durante a Guerra do Paraguai em 1867.
Com equipamentos de última geração, incluindo sistemas de varredura de alta precisão, o atual “Vital de Oliveira” gerou modelos tridimensionais do relevo oceânico e do casco submerso, revelando detalhes sobre a posição, integridade e estrutura da embarcação naufragada.
A operação mapeou a área ao redor do naufrágio com 32 linhas de sondagem e nove de varredura. Esses dados integram o projeto Atlas dos Naufrágios de Interesse Histórico da Costa do Brasil, que amplia o conhecimento científico e histórico sobre a presença marítima brasileira na Segunda Guerra Mundial.
Até o momento, já foram catalogados 2.100 naufrágios. Para o arqueólogo da Divisão de Arqueologia Subaquática da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, Capitão-Tenente (Quadro Técnico) Caio Cezar Pereira Demilio, preservar esses vestígios é preservar a história nacional. “No fundo do mar, há muito mais que ferragens e madeira. Há traços da nossa formação como povo. Com tecnologia e ciência, podemos trazê-los à tona — com respeito ao patrimônio coletivo”, afirmou.
Um mergulho na memória
O “Vital de Oliveira” original, construído em 1910 com o nome de “Itaúba”, foi incorporado à Marinha em 1931, após anos operando no transporte de passageiros e cargas costeiras. Com 82,29 metros de comprimento, casco de aço e propulsão a vapor, o navio desempenhava funções logísticas vitais durante a guerra, levando suprimentos e pessoal entre o Norte do Brasil e o Rio de Janeiro. Depois, como Navio Auxiliar de segunda classe, teve papel estratégico na retaguarda da luta aliada no Atlântico Sul.
A tragédia do “Vital de Oliveira” não apenas reforçou a urgência de adestramento constante para os marinheiros brasileiros, mas também evidenciou a vulnerabilidade do Brasil em relação à sua extensa costa e, consequentemente, ao comércio marítimo. A necessidade de proteger as linhas de comunicação marítima tornou-se, então, uma prioridade estratégica.
Dois dias após o naufrágio do “Vital de Oliveira”, a MB perdeu a Corveta “Camaquã”, que afundou a 12 milhas da Barra de Recife (PE), em decorrência de fortes ondas. Esse episódio, que marcou o terceiro e último afundamento de uma embarcação da Marinha durante a Segunda Guerra Mundial, será abordado no site da Agência Marinha de Notícias no próximo dia 21, data em que se completam 81 anos da ocorrência.
Já a história completa do “Vital”, com depoimentos de sobreviventes, você confere no documentário “Vital: Memórias que não naufragaram”, que destaca a participação da MB na Segunda Guerra Mundial, à luz da descoberta do Navio Auxiliar “Vital de Oliveira”. A previsão é que o lançamento seja realizado ainda neste ano.