Apagão de mão de obra versus demissões em massa
Em 2020, apesar de o mundo enfrentar a pandemia de Covid-19 e o Brasil registrar uma retração
de 4,1% no PIB, o setor de Tecnologia da Informação e Comunicação obteve um crescimento de
7,9% comparado ao mesmo período do ano anterior. Segundo estimativas da Brasscom
(Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais),
até 2024 o país alcançará um total de 420 mil oportunidades de emprego em atividades de TI,
tanto em empresas do segmento, quanto em departamentos de TI de empresas de outros setores.
No entanto, em contrapartida, o Brasil forma apenas 46 mil profissionais dessa área por ano, ou
seja, 65% menos do que seria necessário para suprir as 70 mil vagas anuais demandadas pelo
mercado.
Esse verdadeiro apagão de mão de obra especializada tem múltiplos fatores, sobretudo, o
crescimento da demanda por profissionais para as jornadas de transformação digital das
organizações, que sofreram intensa aceleração em decorrência da mencionada pandemia.
Some-se a isso a deficiência na formação profissional da maioria das faculdades, o desinteresse
pela área motivado pelo mito de que é extremamente difícil e a evasão dos alunos. Ainda segundo
a Brasscom, em 2019 cerca de 69% dos estudantes universitários da área de tecnologia
abandonaram os estudos, tendo como principal motivo a falta de recursos econômicos.
Por outro lado, a efetividade do trabalho remoto, confirmada na pandemia, eliminou fronteiras e
ampliou a possibilidade de o profissional trabalhar em empresas de outras cidades e até de outros
países, inflacionando ainda mais o mercado. Por consequência, elevou-se sobremaneira o custo
desse perfil de mão de obra. A escassez, combinada com a elevação do custo, vem promovendo
descumprimentos dos objetos e desequilíbrios econômico-financeiros, sacrificando a boa
execução dos contratos firmados com empresas de TI.
E como se não bastasse, a ebulição do setor promove uma das maiores taxas de rotatividade do
mercado, chegando a cerca de 13%, segundo o portal IT Forum. Já a média de permanência na
empresa para os cargos mais altos é de 2,6 anos, em comparação a 3,8 anos dos demais setores.
Não por acaso, tem sido crescente a contratação de TI como serviço por parte de organizações que
têm seus departamentos internos de tecnologia da informação.
De acordo com estudo publicado pelo Centro de Estudos Avançados do Recife (Cesar), para
enfrentar esse cenário adverso é necessária a combinação de políticas públicas voltadas para a
formação profissional de curta e longa duração, com ações internas focadas em treinamento,
processo seletivo transparente, plano de carreira, ambiente de trabalho positivo e estimulante,
salários atrativos e recrutamento inclusivo.
Paradoxalmente, contudo, a partir de 2022 iniciou-se um processo de demissões em massa nas big
techs – como Meta, Twitter, Microsoft, Netflix e Amazon. Responsáveis por contratar pessoas
consideradas as melhores cabeças do mundo em escritórios descolados e oferecendo muitos benefícios, esse rol de empresas passou a reduzir seus quadros de colaboradores, atingindo a cifra
de 90 mil demissões ano passado.
Para explicar esse paradoxo, enxergamos causas distintas entre as duas grandes categorias de
empresas do setor. No caso das big techs, a principal causa teria sido o excesso de contratações na
pandemia, movidas por uma onda de euforia, muitas vezes às pressas e mal-feitas, tendo se
tornado comum profissionais juniores ocuparem posições de plenos e até de seniores, inclusive
com as respectivas remunerações. Já no segmento das startups, terminou a farra de investimentos
aportados de qualquer jeito por fundos excitados pela mesma onda, o que obrigou essas
empresas nascentes a racionalizar seus custos e buscar resultados efetivos.
Considerando haver mais vagas ociosas do que profissionais demitidos, é de se supor que esse
movimento contribua para reduzir a escassez e para reequilibrar o mercado de trabalho.
Mitiga-se, portanto, distorções que prejudicam a saudável relação entre as empresas de TI e seus
times e, por via de consequência, com suas capacidades de gerar valor para os clientes.
Por Jorge Santana, Founder&Chairman da INFOX Tecnologia da Informação