FÉRIAS FORÇADAS PARA O SEU PATRÃO: a banda Chá de Gim lança single provocativo “Demita seu patrão”

FÉRIAS FORÇADAS PARA O SEU PATRÃO: a banda Chá de Gim lança single provocativo “Demita seu patrão”

“Demita seu patrão” (Diego Wander e Marcelo Maia), disponível, a partir de 14 de dezembro, nas maiores plataformas virtuais, com produção executiva de Juh Santos, foi criada com base numa percepção astuta do cantor Diego Wander sobre o mundo do trabalho e uma ideia musical do baixista Marcelo Maia. A banda Chá de Gim, que com essa nova canção gravada no Up Studio Music, mixada e masterizada por Braz Torres Neme, celebra o retorno de Marcelo Maia na direção musical e no baixo da banda, segue tendo como voz principal Diego Wander; na bateria, Alexandre Akires; nas guitarras, Bernardo e Caramuru Brandão, e no teclado, William Cândido.

A música revela uma sonoridade setentista, tendo som de pele abafada na bateria e baixo tocado com palheta. Isso nos remete a uma fase da MPB no início dos anos 70, em que o rock e a MPB trabalhavam juntos. A letra da música reflete o sufoco vivido pelo artista tendo que cumprir horário e vendo a vida correr lá fora, dentro dele uma erupção criativa pronta para subir, mas que deve ser contida pelo cumprimento das funções e do horário de trabalho. Demita seu patrão é o retrato de uma geração que não aceita as regras do jogo da meritocracia, e não quer dedicar seu tempo para viver de esmola do patrão. Deus ajuda quem cedo madruga, é um jargão que gerações anteriores tiveram como bandeira, porém hoje pra muitos não faz sentido, pois acreditam que trabalhar por trabalhar só beneficia o patrão, não constrói carreira.
FÉRIAS
Quem ouvir a música, não vai se aguentar parado e vai batucar nas pernas e nas mesas, por causa do da levada rítmica de toque seco, típico de samba, como pano de fundo da complexidade da música progressiva, demonstrada em todo o seu andamento, que vai contagiando o espírito ouvinte aos poucos, de forma efusiva. À medida que a massa sonora vai crescendo, samba, rock e jazz se confundem, chegando a uma atmosfera de força muito energizante, com rock’n roll capaz de fazer você pedir as contas amanhã mesmo. Mas o Chá de Gim adverte que na letra da música fica claro que o ato radical de “demitir o patrão” não resolve o problema, pois se trata de uma questão social mais profunda, que envolve não querer trocar sua vida fora por migalhas, porém sem emprego, mesmo que com mais tempo para se dedicar à arte, os problemas financeiros, por vezes, ainda maiores, podem afetar sua saúde mental de forma ainda mais graves: “Dói na cabeça, dói na barriga, dói no meu bolso, dói na minha perna de andar o dia inteiro”, procurando uma solução que não existe…

Crítica Musical

A música “Demita seu Patrão” da banda Chá de Gim aponta para uma crítica contra-hegemônica e contracultural do modelo de exploração da mão de obra em um trabalho que coisifica e despersonaliza o sujeito, extraindo dele, inclusive, o tempo e direito ao ócio, cultural e lazer. Há também uma denúncia da expropriação da mais-valia nossa de cada dia, o fruto de trabalho que é expropriado pelo trabalhador não recebe por seu trabalho. Nesse sentido, os donos dos meios de produção usurpam um capital excedente produzido por aqueles que vendem sua força de trabalho por um valor menor do que o real, em termos qualitativos e também quantitativos, pois que, em geral, são obrigados a trabalhar por mais tempo do que permitido pela legislação, ainda mais se contarmos as horas gastas nos meios de transporte.
Ao propor uma ruptura subversiva da relação patrão e empregado, como por transferência psicanalítica, essa canção estimula àqueles que estão vivendo no caminho da roça em suas vidas de gado a pensar fora da caixinha no quadrado de cada um em sua zona de conforto. A ambiguidade do bordão imperativo “Demita seu patrão” permite mapear os meandros de uma relação afetiva sadomasoquista de possessividade com “seu” patrão, por parte do empregado, que fala mal do chefe sem nunca demiti-lo de seu papel opressor no seu psiquismo. Significado ainda mais silente desse apego seria o de que não há escapatória do capitalismo, e mesmo fora do mercado, no empreendedorismo, ou na arte, sempre haverá as figuras de poder capitalizando com o trabalho de outrem. Ou seja, sempre precisaremos de um patrão para chamar de “meu.

Com uma voz feirante e um violão tropicalista, que remete aos Novos Baianos, a escuta do todo musical causa a sensação de caos orquestrado com uma bateria pontilhada e um baixo vintage, típicos do funk brasileiro dos anos 70. A canção é entrecortada por dinâmicas interessantes de solos, coros e teclados psicodélicos, remetendo aos primórdios da informática e eletrônica (retrofuturismo), que surge como figura retórica dessa despedida do mundo corporativo “cornocrático” do trabalho. A melodia cíclica da estrofe, quase que em looping, aponta para uma ideia de rotina laboral de dias úteis, inúteis, no caso, de um cidadão, que de segunda à sexta trabalha, mas deseja pedir as contas para se sentir mais livre.

Essa circularidade é rompida por um refrão com bordões repetitivos que até parecem ser cânones, mas que traz uma ambiguidade polifônica para a mensagem imperativa da letra, no que permite concluir que ato disruptivo de deixar o emprego e seguir pelos “bares da vida” não é uma solução “antimonotonia” definitiva, já que é esperado, assim como na vida dos trabalhadores braçais, cada vez mais superendividados, os problemas financeiros, que vão requer uma rotina mesmo que, exclusivamente, musical (quase sempre não autoral) com os perrengues e percalços que são comuns para aqueles que vivem de música ou não. Em todo caso, a riqueza da música há de compensar a pobreza material com que são subalternizados pela sociedade pós-industrial líquido-moderna, milhares de músicos das noites e das ruas, que tocam por cerveja ou moedas.

Entrevista com a banda:

A MÚSICA EM QUESTÃO REMETE AO MANIQUEÍSMO DA DISTRIBUIÇÃO DESIGUAL DO TRABALHO E A DIVISÃO HIERÁRQUICA ENTRE TRABALHO MANUAL E INTELECTUAL. EM QUE MEDIDA A SITUAÇÃO LABORAL DOS MEMBROS DA BANDA, QUE NÃO VIVEM DE MÚSICA, TEM PREJUDICADO A IMERSÃO NA MÚSICA E NA CARREIRA MUSICAL?

Todos da banda atualmente vivem de música. Havia muito receio em tomar essa decisão. A música Demita seu patrão reflete esse momento de transição na vida de Diego, em que ele tinha uma enorme dúvida sobre os rumos da sua vida depois de abandonar o emprego formal e mergulhar tentar viver só de música. Viver de música, na verdade, não significa viver da própria música. O trabalho musical que se remunera melhor é o de música cover para animar festas e bares.

DOMENICO DE MASSI EM ÓCIO CRIATIVO, NO ÂMBITO DO ESTUDO DA SOCIEDADE INDUSTRIAL, CRIOU UM CONCEITO DE ÓCIO EQUILIBRANDO COM TRABALHO A PARTIR DA INTERSEÇÃO ENTRE TRÊS ELEMENTOS: TRABALHO, ESTUDO E LÚDICO. COMO PODERÍAMOS PENSAR A MÚSICA “DEMITA SEU PATRÃO” A PARTIR DESSA TRÍADE?

Demita seu patrão é uma prova de que a vazão criativa independe do tempo livre. Essa música brotou em meio à turbulência de compromissos e cumprimento de carga horária de trabalho. A questão a se perguntar é: como vencer as dificuldades de falta de recursos para pagar estúdio de gravação e técnicos para pegar essa composição em estado bruto e prepará-la para lançar ao público? Para se ter um equilíbrio nessa balança deveria haver mais incentivos governamentais à arte e à cultura e uma maior distribuição de renda na sociedade.

SENNET CRITICA O ROMANTISMO NESSE DISCURSO DE EMPREENDEDORISMO FLEXÍVEL PÓS-MODERNO (SEJA SEU PRÓPRIO PATRÃO) CELEBRADO POR DE MASSI EM QUE O SUJEITO É AUTÔNOMO, COMO TEMOS VISTO COM OS UBERS E I-FOODS, MAS NÃO TEM ESTABILIDADE FINANCEIRA E NEM PSICOLÓGICA, O QUE FAVORECE A EROSÃO DO CARÁTER E DA VIRTUDE. VOCÊS ACHAM QUE O CAMINHO DO MÚSICO UNDERGROUND (NÃO COMERCIAL), DEPENDENDO DE CROWDFUNDING, PERMUTAS, CACHÊS SIMBÓLICOS E EDITAIS BUROCRÁTICOS PERMITE UMA VIDA DIGNA?

Não. A vida do músico autoral hoje é um tanto quanto uberizada, pois não há garantias, estabilidade, indenizações. O músico que vive só de música vive uma enorme instabilidade econômica, que prejudica sua vida social. É uma música que tem no seu tema musical todo um processo de estudo por trás da criação dela.

O DEBATE SOBRE A ESCALA 6X1 DE 6 HORAS PARA 5X2 COM JORNADA DE 8 HORAS PODE SER ALENTO PARA QUE A ARTISTA POSSA CONCILIAR ARTE E TRABALHO COMUM?

Sim, claro, os artistas poderiam dedicar mais um dia da sua semana à criação e produção de sua música.

POR QUE AS CARREIRAS ARTÍSTICAS NO MEIO DIGITAL NÃO TÊM PERMITIDO PARA TODOS OS ESTILOS DE MÚSICA, COMO ROCK E MPB, QUE OS ARTISTAS SE TORNEM AUTOSSUFICIENTES COM SUA ARTE E POSSAM, DE FATO, DEMITIR SEU PATRÃO? ALGUMA CHANCE DE ISSO ACONTECER EM 2026 E BANDA SE DEDICAR SÓ A MÚSICA?

É possível dedicar-se só à música, mas é preciso atender à demanda para festas particulares, pubs e bares, por música cover também; o que é difícil é dedicar-se somente à música autoral. Isso é o que todos buscam, é um caminho a percorrer mas a perspectiva para 2026 ainda não.

LANÇAMENTO: Faixa “Demita seu Patrão” da banda Chá de Gim
DATA: 14 de dezembro de 2025
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