Enquanto crimes caem em Goiás, feminicídio segue como mancha persistente na segurança pública
Os números divulgados pela Secretaria de Segurança Pública de Goiás mostram uma realidade dividida em dois lados: de um lado, a queda histórica da criminalidade em geral no estado, com reduções expressivas em homicídios, roubos e latrocínios; de outro, um dado que resiste à tendência de melhora e escancara uma ferida social ainda aberta — o feminicídio. Em pleno 2025, os assassinatos de mulheres pelo fato de serem mulheres aumentaram 10% em relação ao ano anterior, contrariando o cenário de redução da violência. O dado é alarmante não apenas pelo crescimento, mas pelo simbolismo: mesmo com mais policiamento, monitoramento e tecnologia, as mulheres seguem morrendo dentro de suas casas, pelas mãos de companheiros e ex-companheiros.
No primeiro semestre de 2025, Goiás registrou 23 casos de feminicídio, contra 21 no mesmo período de 2024. É um crescimento que exige atenção, principalmente porque o Estado também registrou aumento de 30% no número de mulheres acompanhadas por medidas protetivas — um sinal de que a violência doméstica persiste, e que os mecanismos legais, embora necessários, ainda são insuficientes. As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams) instauraram 21% mais inquéritos, e houve elevação de 11% no número de investigações encaminhadas à Justiça com autoria definida. Isso mostra que há resposta das instituições, mas não o suficiente para frear os assassinatos.
O cenário estadual se alinha à realidade nacional. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil bateu recorde de feminicídios em 2024, com 1.492 mulheres mortas — uma média de quatro por dia. A taxa nacional subiu para 1,4 a cada 100 mil mulheres. Mais de 63% das vítimas eram negras, e 70% estavam entre 18 e 44 anos. O dado mais trágico é que quase 80% dos crimes foram cometidos por companheiros ou ex-companheiros, em 64% dos casos dentro da residência da própria vítima. A arma branca foi o principal instrumento de morte, representando 48,4% dos feminicídios.
Essas estatísticas mostram que o feminicídio não é um problema de segurança pública comum, mas uma crise estrutural de violência de gênero, que exige políticas muito além do reforço policial. O crescimento nos casos entre adolescentes e idosas aponta que a misoginia não tem idade para matar. Enquanto os índices gerais da violência seguem em queda, o feminicídio segue crescendo porque o Estado ainda falha em proteger as mulheres antes que seja tarde.
É urgente que a segurança pública trate o feminicídio com a mesma prioridade que aplica ao combate a outros crimes. Ações como monitoramento eletrônico, apoio psicológico contínuo, fortalecimento das redes de acolhimento, ampliação do número de abrigos e agilidade nas decisões judiciais precisam sair do papel com mais força. Só assim será possível reduzir os números — não apenas no gráfico, mas na vida real, onde cada número é uma mulher que deixou de existir.
Enquanto o combate ao crime em Goiás ganha destaque nacional, o feminicídio ainda expõe a face mais cruel da impunidade, do machismo e da negligência institucional. Não basta comemorar a queda da violência se parte da população — as mulheres — segue exposta, silenciosamente, ao risco de morrer por ser quem é.